quinta-feira, 10 de junho de 2010

Minha TV de madeira

O ano era 1974. No Brasil a Ditadura Militar já completava 10 anos. Estava começando o governo do general Ernesto Geisel o qual tentava sustentar o famoso “Milagre Econômico” e “suavizar o regime militar” com uma lenta (muito lenta mesmo) redemocratização do país em substituição a terrível repressão aos direitos civis com as perseguições, torturas e mortes de centenas de pessoas. Na antiga Alemanha Ocidental (hoje reunificada) o Brasil buscava o tetracampeonato de futebol. A TV se popularizava no Brasil, país de poucos leitores, a televisão preenchia um vazio informativo, mas apenas 40% dos domicílios tinham acesso a esse veículo de comunicação (hoje a TV está presente em pelo menos 97% dos lares brasileiros).
Numa pequena cidade do interior de São Paulo o número de pessoas que tinham uma TV era menor ainda. Eu era um garoto de apenas 10 anos nessa época, e um “SEM-TV” como a maioria do povo brasileiro. “Milagre Econômico” para mim era chegar ao fim do dia saciado com um prato de feijão com arroz e um delicioso ovo frito. Quanto a Ditadura que assolava o país, como explicá-la a um moleque que tinha rios para nadar e pescar, matas para brincar de “desbravador dos sertões” e também trabalhar (nessa época o trabalho infantil não era uma preocupação nacional) para ajudar a família?
Sabia que a Copa do Mundo rolava solta na Europa. Minha família nem rádio tinha. Estava na escola, meu segundo lar, adorava tudo o que ela oferecia e sabia de sua importância para melhorar minha vida e de meus pais. Meus colegas de trabalho em grupo estavam combinando de assistir o jogo entre Brasil e Holanda pelas semi-finais da copa. Fiquei entusiasmado. Eles iriam para a casa de uma avó que tinha uma bela TV. Estranhei o fato de não me convidarem. Quando cheguei no local todos já estavam dentro e disseram que a avó não gostava que levassem estranhos para casa, então percebi que eles eram meus amigos apenas na escola (as primeiras lições da vida são duras). Fiquei no muro e vi pela janela quando o jogo começou, mas fecharam a janela e tive de voltar para casa humilhado e desesperado por não ver o Brasil jogar contra a famosa “Laranja Mecânica”, apelido dado para a Holanda durante a copa.
Com minha mente curta de troglodita cobrei minha mãe por não termos uma TV, falei para ela que poderíamos vender a casa e comprar uma televisão.
-- E vamos morar onde? Dentro da TV?, ela me respondeu, de forma áspera e coberta de razão.
Desolado fui no quintal, peguei um caixote de madeira, um pouco de carvão e desenhei uma TV com botões e tudo, e fiquei imaginando a partida. Ao retornar para escola meus amigos queriam saber porque eu estava tão contente, pois o Brasil levara “um passeio” da Holanda. Estava muito triste com meus amigos, mas feliz pois em meu jogo imaginário o Brasil ganhara da Holanda e foi tetracampeão.
Vinte anos depois, em 1994, o país se preparava para eleger pelo voto do povo seu segundo presidente da República após o Regime Militar e na minha TV de verdade, pude realizar o grande sonho de ver o Brasil jogar e ser campeão.

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